Artigo de Opinião MillionEyes, Abril 2025
Rui Motty
Presidente Direção da AASO
CEO e Optometrista, Optocentro
A Inteligência Artificial tem vindo a desconstruir paradigmas tradicionais no modo como se percebe o mundo ou a vida, e muito para além da perceção, os efeitos práticos da mudança e da transformação sentem-se no quotidiano das pessoas. A fantasia de um controlo superior intangível, automatizado, com suporte em modelos matemáticos e algoritmos sequenciais, replicados a partir de megabases de dados provenientes de máquinas não fisicamente localizáveis, continua a produzir medos. Não é para menos! Quando se é confrontado com relatos angustiantes, experienciados na primeira pessoa, de saques a contas bancárias e da utilização indevida da identidade para fins menos lícitos. Branqueiam-se esses temores com a automação e monitorização dos consumos energéticos nas nossas casas, na conveniente eficiência da Alexa, do Google Home, do CarPlay ou da tradução em tempo real e edição automática, conveniências que a todos impactam na facilitação e otimização do dia a dia. O ciclo da mudança e transformação de recursos busca o modelo ideal e que poderá vir assentar as sociedades do futuro, acomodando modelos funcionais robotizados: os robôs em tarefas de precisão e repetitiva; os cobôs, colaborativos, trabalhando lado a lado com os humanos, combinando a inteligência artificial com a interação intuitiva; os nobôs, sistemas de IA completamente integrados e virtuais.
O reboque da revolução digital, dos processos de IA e robotização, as dinâmicas da sociedade há muito que começaram a passar por alterações que, pela sua irreversibilidade, levantam questões éticas e sociais. Com a automatização, avizinham-se inúmeras transformações, inquestionavelmente estruturantes, que em busca da eficiência fraturam os modelos tradicionais de produzir trabalho nas organizações. A substituição do homem na cadeia produtiva sugere conflitualidade e instabilidade social e certamente contraria os valores da inclusão e equidade, pilares da sustentabilidade. A ótica deve ser vista como um exemplo de adaptação à transformação tecnológica, basta observar a trajetória do trabalho da oficina, do corte artesanal ao corte automatizado e mais recentemente, com equipamentos como a MEI, robotização sistematizada provida de IA, capacitados para detetar erros e rejeitar defeitos sem a intervenção humana. Se aparentemente os técnicos de ótica ocular parecem ser dispensáveis, então para que servem? Contrariando o habitual cenário de despedimentos por justa causa, alocá-los ao acompanhamento especializado dos clientes, customizando a entrega e afinação dos óculos, promovendo a escuta ativa, de crítica importância no invento da relação e fidelização. A resposta a estes desafios passa por uma requalificação dos recursos humanos e a sua integração em funções diferentes.
O futuro para um mundo sustentável não é dissociável de um modelo de sociedade tecnológica participante, assente em Inteligência Artificial e em cooperação humana. As fronteiras desta harmonia são ilimitadas e, apesar de complexas, as potencialidades são transversais na otimização dos ecossistemas industriais, empresariais, passando pelo plano familiar e pessoal. Cabe a cada operador identificar a necessidade e robustamente promover a inovação, apropriando-se dos instrumentos eficientes. No setor energético, por exemplo, algoritmos inteligentes permitem a previsão e otimização do consumo de eletricidade, contribuindo para a eficácia das redes de energia renovável. Na agricultura, sistemas baseados em IA monitorizam as condições do solo e do clima, otimizando o uso de água e fertilizantes, reduzindo o impacto ambiental. Além disso, a IA auxilia na gestão de resíduos e na reciclagem, classificando materiais com mais precisão e rapidez do que métodos tradicionais.
O setor da ótica deve aumentar as suas exigências e procurar nos seus parceiros habituais soluções que acrescentem eficiência e não apenas em atividades tradicionalmente técnicas. A demonstração de produtos muito especializados deve ter suporte tecnológico, é o caso das plataformas digitais interativas, ou de alguns dispositivos de realidade virtual, atribuindo aos serviços padrões profissionais elevados. No âmbito da sustentabilidade ambiental, a Inteligência Artificial pode valorizar a cadeia de suprimentos, otimizando as rotas de transporte com uma gestão inteligente da distribuição, do consumo energético ou da classificação de resíduos para um reencaminhamento adequado.
Consciente da sua impotência, o cidadão comum compreende que a confrontação com a automação e o algoritmo sequencial é causadora de uma sensação de insegurança e vulnerabilidade. A corrida desenfreada a estas tecnologias e o seu uso inadequado deve ser mitigado por uma regulação robusta e apropriada, na defesa dos valores humanos. Cabe aos governos, às empresas e à sociedade civil a responsabilidade de cooperação na criação de políticas que equilibrem o desenvolvimento e aplicação da IA sem prejuízo do princípio da inovação. Algumas perspetivas apontam para um futuro em que a tecnologia não apenas redefine o trabalho e a vida urbana, mas também transforma a forma como entendemos o nosso papel no planeta. Poderemos ver uma integração maior entre o mundo físico e digital, com sistemas autónomos e inteligência colaborativa entre humanos e cobôs que, se bem gerida, pode melhorar a qualidade de vida, reduzir as desigualdades e possibilitar um crescimento sustentável. Contudo, sem um investimento contínuo em práticas éticas e na desaceleração dos impactos ambientais, há o risco de um desenvolvimento desequilibrado que pode agravar crises como o aquecimento global e a exclusão social. O futuro da humanidade é, portanto, multifacetado e repleto de incertezas, mas também de oportunidades transformadoras. Se conseguirmos harmonizar os avanços tecnológicos com uma governação ética e sustentável, poderemos criar um mundo em que a inovação serve de alicerce para uma sociedade mais justa, resiliente e integrada, onde os desafios ambientais e sociais são enfrentados com criatividade e responsabilidade.